sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Bastonário empossado diz não aceitar que os «gestores organizacionais continuem a tratar os enfermeiros como fantasmas nos serviços de saúde»




"O novo Bastonário da Ordem dos Enfermeiros tomou ontem posse no Auditório da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, perante uma sala cheia e com um discurso muito crítico, mesmo na presença do Ministro da Saúde, Dr. Paulo Macedo.
O Enf.º Germano Couto, Bastonário empossado, identificou desde logo alguns dos problemas que atingem a profissão: «Nos últimos anos, percebe-se a crescente degradação das condições de exercício profissional dos enfermeiros, a falta de reconhecimento pelo poder político e organizacional do papel da Enfermagem, a debilidade do Serviço Nacional de Saúde e o elevado risco para o cidadão da degradação do seu acesso a cuidados de saúde».
O novo Bastonário não escondeu o cenário negro que se vive e o quadro de crise «que o país não vivenciava há mais de 40 anos». A par disso, referiu, «a nossa profissão está em desalento, rodeada por uma rede de incompreensão, desvalorização e desrespeito». E o sistema de saúde necessita de mudança, «fruto da ingerência, irresponsabilidade e decisões políticas erradas de alguns».
Perante um quadro obscuro, o novo bastonário instou os presentes a não baixarem os braços, a enfrentar os desafios com «dedicação e espírito de grupo», apelando à união da profissão.
«Os enfermeiros têm sido os que correm riscos, fazem parte dos que agem, dos que fazem as coisas – alguns reconhecidos, mas mais frequentemente mulheres e homens desconhecidos no seu labor que nos conduziram por um longo e acidentado caminho rumo à valorização e ao reconhecimento. Para onde quer que olhamos, há trabalho a fazer. O estado da saúde em Portugal pede ação corajosa e rápida, e nós, enfermeiros, vamos agir – não só para criar maior proximidade de cuidados, mas para lançar novas bases de crescimento da saúde para todos os cidadãos», sublinhou o Enf.º Germano Couto.

Solução dos problemas financeiros do SNS não está nas taxas moderadoras
O Bastonário deixou claro que irão identificar, priorizar e vencer os desafios que se colocam à Enfermagem e aos enfermeiros. Considerou, desde logo, que é preciso: uma «maior alocação de recursos financeiros na prevenção e nos Cuidados de Saúde Primários»; e uma «revisão do modelo de financiamento das instituições, onde os resultados dos cuidados de Enfermagem sejam reconhecidos e contabilizados».
O Enf.º Germano Couto considerou que a responsabilização dos gestores é vital para combater a ineficiência e os problemas crónicos de insustentabilidade financeira do sistema.
Nessa altura, o dirigente deixou também um recado ao poder político que lhe valeu um forte e entusiástico aplauso dos cerca de 400 enfermeiros presentes na plateia: «A Ordem dos Enfermeiros não aceita que o poder político e os gestores organizacionais continuem a tratar a Enfermagem e os enfermeiros como fantasmas nos serviços de saúde e nos resultados em ganhos em saúde da população».
O enfermeiro disse ainda que se, nos últimos 10 anos, tivesse havido um investimento sério nos cuidados de Enfermagem existiriam: «índices de incapacidade mais baixos na sociedade portuguesa»; «doenças crónicas mais controladas, menos agudizações e complicações»; «uma gestão das terapêuticas medicamentosas mais custo-efetivas»; «uma população com maiores índices de literacia em Saúde»; «menos descontinuidade nos cuidados e menos ineficiência nos seus processos».
O Enf.º Germano Couto referiu também que a solução para os problemas financeiros do SNS não está «no aumento dos recursos financeiros por via das taxas moderadoras», mas «na reengenharia dos processos das organizações de saúde e na maximização e majoração das competências da Enfermagem portuguesa».

Jovens enfermeiros empurrados para o desemprego e para a emigração
Também a Bastonária cessante, a Enf.ª Maria Augusta Sousa, se referiu a um paradoxo: «Não obstante os sistemáticos alertas realizados, assistimos a um fenómeno impensável para muitos de nós. Não estando cobertas as respostas às necessidades em cuidados de Enfermagem, o país desperdiça o investimento feito na qualificação dos seus recursos, empurrando muitos jovens enfermeiros para o desemprego, para a precaridade e para a emigração, com a consequente desvalorização socioeconómica do valor dos cuidados de Enfermagem».
A Enf.ª Maria Augusta Sousa alertou ainda para a «desregulação da oferta formativa» a que se assiste, e que qualificou como «uma ameaça objectiva à qualidade dos recursos que formamos».
Na presença do Dr. Paulo Macedo, a Bastonária cessante desafiou o poder político a reconhecer «o efectivo valor dos cuidados de Enfermagem» (por se tratar de mais-valias para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e para os utentes), e a conferir um conjunto de competências que não têm sido devidamente reconhecidas e valorizadas na gestão das unidades de cuidados.
Aos novos órgãos empossados, a Enf.ª Maria Augusta Sousa referiu estar certa que saberão valorizar o «património construído», desejando a todos os maiores sucessos na nova etapa que agora se inicia.

Ministro da Saúde conta com a motivação dos enfermeiros para alcançar metas
Já o Ministro da Saúde enalteceu o trabalho desenvolvido com a OE, nomeadamente com a Enf.ª Maria Augusta Sousa nestes meses de mandato, permitindo ultrapassar a renovação de muitos contratos de enfermeiros que cessavam no final de 2011. Lembrou ainda que «os enfermeiros são um dos pilares do Sistema de Saúde
Português» e um «elo forte na cadeia de valor da prestação de cuidados de saúde».
Não obstante esse facto, Portugal enfrenta um cenário de grandes restrições económicas, insistiu o governante, «pelo que contamos com a motivação dos profissionais para alcançarmos as metas que nos propomos atingir».
Já no final da sua intervenção, o Dr. Paulo Macedo disse acreditar que o sistema de saúde irá ser mais eficiente graças às capacidades dos enfermeiros que poderão contribuir para o acompanhamento, despiste e monitorização da saúde dos cidadãos, de uma forma mais acentuada. Referiu-se concretamente à reorganização dos Cuidados de Saúde Primários e ao aproveitamento das capacidades existentes dos enfermeiros, «possibilitando um maior acompanhamento dos doentes crónicos e noutras múltiplas tarefas».
Nesta cerimónia, a par do Bastonário empossado, tomaram ainda posse os órgãos nacionais – o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, o Conselho Directivo, o Conselho Jurisdicional, o Conselho Fiscal, o Conselho de Enfermagem, seis Mesas dos Colégios da Especialidade – e os órgãos regionais relativos à Secção Regional do Centro, do Norte e do Sul."

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